terça-feira, 31 de maio de 2016

Papas e Teólogos medievais contra a Imaculada Conceição de Maria


 Leão I (400-461)

Apenas o Senhor Jesus Cristo, entre os filhos dos homens, nasceu imaculado, porque apenas Ele foi concebido sem a associação e a concupiscência da carne. (Sermão 25)

Essa citação por si só fecha a questão. Cristo é o único preservado do pecado original.

Pois a terra da raça humana, a qual no primeiro transgressor foi amaldiçoada, na prole da abençoada virgem somente produziu uma semente que foi abençoada e livre de culpa. (Sermão 24: 3)

Veja que o único livre de culpa foi da prole de Maria e não a própria Maria.

E, portanto, na ruína geral de toda a raça humana só havia um remédio no segredo do plano Divino que poderia socorrer o caído, e esse foi um dos filhos de Adão que deveria ter nascido livre e inocente do pecado original, prevalecendo para o resto tanto por seu exemplo e méritos. Ainda mais, porque isso não foi permitido pela geração natural, e porque não poderia haver alguma descendência com semente sem defeito, da qual a Escritura diz: "Quem pode fazer uma coisa pura ser gerada de uma semente impura? Não és somente tu que é capaz?" (Sermão 28:3)

Leão I esclarece porque Jesus é o único imaculado. Ele não nasceu de geração natural. Como esse não é o caso de Maria, não poderia estar livre do pecado original. Alguns católicos, na tentativa de desacreditar o significado óbvio dessas palavras, afirmam que Leão exaltava a pureza e santidade de Maria em seus sermões. Isso obviamente não contraria o fato de que ela foi concebida em pecado. Leão I ainda escreveu:

E considerando que em todas as mães a concepção não ocorre sem mancha de pecado, esta [Maria] recebeu a purificação da fonte de sua concepção. Nenhuma mancha de pecado penetrou onde não ocorreu relação sexual. (Sermão 22:3)

Ele parece acreditar que Maria foi santificada antes da concepção de Jesus. Se Maria foi purificada por causa de sua concepção, logo não houve uma imaculada conceição. Além do mais, Maria nasceu de uma relação sexual natural, logo a macha do pecado também nela penetrou.

O estudioso católico romano Michael O'Carroll comenta que Leão viu o pecado como sendo comunicado por meio de relações sexuais (Theotokos [Wilmington, Delaware: Michael Glazier, Inc., 1988], p. 217).

O historiador protestante Philip Schaff lista Leão I e outros seis bispos romanos que rejeitaram a imaculada conceição de Maria:

Até mesmo sete Papas são citados no mesmo lado, e entre eles três dos maiores como Leão I (que diz que somente Cristo era livre do pecado original, e que Maria obteve sua purificação através de sua concepção de Cristo), Gregório I e Inocêncio III. [FN233 Os outros papas, que ensinaram que Maria foi concebida em pecado, são Gelásio I, Inocente V, João XXII e Clemente VI. (d. 1352). A prova é fornecida pelo jansenista Launoy, Proescriptions, Opera I. pp. 17 sqq (...) (The Creeds of Christendom [Grand Rapids: Baker Books, 1998], Vol. I, p. 123) (Fonte)

Schaff cita a obra do jansenista Launoy que pode ser vista aqui em latim.

Gelásio I (410-492)

Gelásio dá muita dor de cabeça aos apologistas romanistas. Além de negar atransubstanciação, também negou a imaculada conceição:

Pertence somente o Cordeiro imaculado não ter nenhum pecado. (dicta adv. Pelag.Haeresin)

Trata-se de uma obra contra os pelagianos. Uma das melhores formas de saber qual era a fé da igreja num determinado período é verificar a sua reação quando algum oponente nega um artigo de fé. Os pelagianos afirmavam que Maria não teve pecados. A reação da igreja não foi afirmar uma suposta doutrina da imaculada conceição, mas afirmar que Maria nasceu sob o domínio do pecado original.

Consequentemente o que os pais geraram de sua prole é obra de Deus, de acordo com a instituição da natureza, mas não sem o contágio daquele mal que eles obtiveram através de sua própria transgressão. (Epístola 7)

Gregório o Grande (540-603)

Pois nós, apesar de termos sido feito santos, não nascemos santos, porque pela mera constituição de uma natureza corruptível a qual estamos amarrados e sujeitos, devemos dizer com o profeta: Eis que eu nasci em iniquidade, e em pecado concebeu-me minha mãe. Somente ele é realmente nascido santo, para que pudesse superar a condição da natureza corrupta, não sendo concebido segundo a maneira dos homens. (Livro sobre moral, uma exposição de Jó,Livro 18, em Jó 27)

Essa passagem foi citada por Tomás de Aquino na Suma Teológica, 3ª parte, questão 34, artigo 1, resposta à objeção de 3 - veja aqui.

Além disso, uma vez que ninguém entre os homens neste mundo é sem pecado (e o que mais é pecar do que fugir de Deus?), eu digo com confiança que esta minha filha também tem alguns pecados. (NPNF2: Vol. XII, Selected Epistles, Book VII, Epistle 30)

Uma clara afirmação da pecaminosidade universal sem exceção à Maria.

João IV (?-642)

E, em primeiro lugar, é loucura blasfema dizer que o homem é sem pecado, o que ninguém pode ser, mas somente o único mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus homem, o qual foi concebido e nasceu sem pecado. Todos os outros homens tendo nascido no pecado original, são conhecidos por ter a marca da transgressão de Adão, mesmo quando eles estão sem pecado atual, de acordo com a palavra do profeta: "Pois eis que fui concebido em iniquidade; e no pecado minha mãe deu à luz a mim." (HistóriaEclesiástica de Beda, Livro II, Cap. 19)

É autoexplicativo.

Inocêncio III (1161-1216)

Mas imediatamente [sobre as palavras do Anjo: "O Espírito Santo virá sobre ti '] o Espírito Santo veio sobre ela. Ele tinha antes de vir para dentro dela, quando no ventre de sua mãe, ele limpou sua alma do pecado original; mas agora também Ele veio sobre ela para limpar seu corpo do desejo do pecado, para que ela possa ser totalmente sem mancha nem ruga. (Sermão sobre a purificação da Virgem)

Maria foi purificada no momento da encarnação de Jesus e não em sua própria concepção. Logo, ela não somente nasceu no domínio do pecado original como cometeu pecados antes de ser purificada.

Eva foi gerada sem pecado, mas deu à luz no pecado. Maria foi gerada em pecado, mas deu à luz sem pecado. (Segundo discurso sobre a Assunção)

Diferentes de outras citações que afirmam que Jesus foi o único sem pecado, essa diz explicitamente que Maria foi gerada em pecado. Sobre a Festa de João Batista, Inocêncio escreve:

De João [Batista], o anjo não fala da concepção, mas do nascimento. Mas de Jesus ele profetiza tanto o nascimento como a concepção. Para Zacarias o pai é profetizado: "A tua mulher te dará um filho e lhe porás o nome de João". Mas, para Maria a mãe é profetizado: "Eis que em teu ventre conceberás e terás um filho e porás o nome de Jesus." João foi concebido em culpa, mas Cristo somente foi concebido sem culpa. Mas cada um nasceu na graça, e, portanto, a Natividade de cada um é celebrada, mas a concepção de Cristo somente é comemorada. (Sermão 16 sobre dias de festas)

Num contexto em que Maria é citada, é afirmado que Cristo somente é sem culpa. Não poderia ser mais claro.

Inocêncio V (1225-1276)

Inocêncio dá abaixo uma bela demonstração de como a imaculada conceição foi negada por um papa no séc. XII:

Quanto mais perto alguém se aproxima do Santo dos Santos, maior grau de santificação ele deveria ter, pois não há aproximação a Ele, exceto através da santificação. Mas a mãe se aproxima mais do que todos ao filho, que é o Santo dos Santos. Portanto, ela deveria ter um maior grau de santificação após seu Filho. O grau de santificação pode ser entendido como quádruplo: se têm santidade (1) antes da concepção e nascimento (2) após a concepção e nascimento; (3) na própria concepção e nascimento; (4) no nascimento, não na concepção. Pois "na concepção e não no nascimento” é impossível.

O primeiro grau não é possível, tanto porque a perfeição pessoal (como o conhecimento ou virtude) não é transmitida dos pais; e também porque nas crianças o ser da graça não pode tomar lugar, antes do ser real da natureza, sobre a qual se funda. O segundo grau é comum a todos, de acordo com a lei comum de santificação através dos sacramentos. O terceiro é peculiar ao Santo dos Santos, em quem somente toda santificação acontece de uma só vez, a concepção, a santificação e a assunção. Resta então o quarto. Mas esse tem quatro graus porque o feto, quando concebido no seio materno, pode ser santificado antes animação ou na animação, ou logo após a animação ou muito depois da animação.

O primeiro grau é impossível, porque de acordo com Dionísio (de div. nom. c. 12) "A santidade é a limpeza livre de toda contaminação, e perfeita e imaculada", mas a imundícia da falha não é expelida senão por "graça fazendo graciosamente", como as trevas pela luz, da qual a criatura racional é objeto da graça. O segundo grau não era adequado para a Virgem, porque ou ela não teria contraído o pecado original e por isso não teria sido necessário a santificação universal e redenção de Cristo, ou se ela o contraiu, a graça e a culpa não poderiam ter ocorrido nela de uma só vez. O quarto grau também não era adequado para a Virgem, porque era adequado para João e Jeremias, e porque não satisfazia tão grande santidade, e ela deveria ter demorado muito tempo em pecado como os outros, mas João foi santificado no sexto mês. Mas a terceira parece adequada e piedosamente credível, embora não seja derivada da Escritura, que ela deveria ter sido santificada, logo depois de sua animação, tanto no próprio dia ou hora, embora não no mesmo momento. (Comentário sobre as sentenças de Pedro Lombardo Livro 3, Distinção 3, Questão 1, Artigo 1)

Maria deveria ter maior santidade após o seu filho, logo ela nem sempre foi perfeita e livre de qualquer pecado. Ele então afirma quatro hipóteses. A maioria dos homens está na hipótese 2, pois se santificam após o nascimento. Inocêncio afirma que somente Jesus foi totalmente santo de uma só vez na concepção (hipótese 3), logo Maria não poderia ser imaculada desde a concepção. É dito claramente que Maria se encaixa na hipótese 4, ou seja, ela foi santificada após a concepção. Inocêncio então diz especificamente quando Maria foi santificada. Animação é o momento em que o ser recebe de Deus uma alma racional. Ele afirma claramente que Maria não poderia ter sido santificada nesse momento, pois dessa forma não teria contraído o pecado original. Ou seja, seria inaceitável afirmar que Maria foi livre do pecado original. A hipótese mais credível é que Maria foi santificada logo após a animação. Logo após receber uma alma racional e, portanto, após a concepção, teria sido santificada.

João XXII (1249-1334)

Ela (a Virgem) passou primeiramente por um estado de pecado original, em segundo lugar por um estado de infância à honra materna, em terceiro da miséria à glória. (Sermão 1 sobre a Assunção)

Clemente VI (1291-1352)

Mas antes Eu divido o tema, parece que essa [festa] concepção não deve ser celebrada, em primeiro lugar, sobre a autoridade de Bernardo, que em sua Epístola aos Lionenses [cânones], gravemente os repreende, porque eles tinham recebido a festa e a realizavam solenemente. Porque nenhuma festa deveria ser comemorada, exceto para reverência da santidade da pessoa a qual é comemorada, uma vez que tal honra é dada aos santos por conta da [relação] que eles têm com Deus acima dos outros; mas isso é por causa da santidade; e não só o pecado atual, mas o pecado original também [separa] de Deus. Mas a Santíssima Virgem foi concebida em pecado original, como muitos santos parecem dizer, e pode ser provado por muitos motivos. Parece que a Igreja não deveria realizar um festival de sua concepção. Aqui, não estou disposto a disputar, eu digo brevemente que uma coisa é clara: a Santíssima Virgem contraiu pecado original. A causa e a razão é esta: como sendo concebida da união de homem e mulher, foi concebida através da paixão, e, portanto, ela teve o pecado original em causa, que seu filho não tinha, porque Ele não foi concebido da semente do homem, mas através da respiração mística: "o Espírito Santo virá sobre ti." E, portanto, não ter pecado original é um privilégio singular de Cristo somente. (Sermão do Advento do Senhor)

Mais explícito é impossível. Maria foi concebida em pecado original e essa opinião era partilhada por muitos teólogos renomados (trataremos deles adiante).

Tomás de Aquino (1225-1274)

Tomás merece um artigo específico. Tratamos do testemunho dele aqui. Resumidamente pode-se dizer que ele negou a imaculada conceição e não mudou de ideia no fim da vida como os apologistas católicos afirmam.

Outros teólogos que negaram a imaculada conceição

A opinião de Tomás não era uma exceção, sendo compartilhada por muitos teólogos escolásticos. O estudioso católico romano Garrigou-Lagrange escreve:

O Concílio de Trento (Denz 792) declara, quando se fala de pecado original que infecta todos os homens, que não tem a intenção de incluir a Santíssima e Imaculada Virgem Maria. Em 1567 Baius é condenado por ter ensinado o contrário (Denz 1073). Em 1661 Alexander VII afirmou o privilégio, dizendo que quase todos os católicos acreditam, embora ainda não tenha sido definido (Denz 1100). Deve-se admitir que nos séculos 12 e 13 grandes doutores, como, por exemplo, St. Bernardo, [29] St. Anselmo, [30] Pedro Lombardo, [31] Hugo de São Vítor, [32] St . Alberto Magno, [33] São Boaventura, [34] e São Tomás de Aquino parece ter sido relutantes em admitir o privilégio.

[29]. Epist. ad canonicos Lugdunenses.
[30]. De conceptione virginali.
[31]. In III Sent., dist. 3.
[32]. Super Missus est.
[33]. Item Super Missus est.
[34]. In III Sent., dist. 3, q. 27.

Carol escreve sobre Bernardo de Claraval:

Seja qual for a autoridade que possa ser invocada a favor da celebração da festa em homenagem a concepção de Maria como uma observância litúrgica legítima e suficientemente tradicional, o fato histórico é que o poder e a influência de St. Bernardo (1091-1153) foi, apesar de seu grande amor por Maria, alinhado com as forças que se opõem a essa festa. Ele formulou a sua objeção numa célebre carta aos Cânones de Lion. Provavelmente este suporte de Bernardo foi providencial, pois desencadeou uma controvérsia sobre a Imaculada Conceição que finalmente resultou na aceitação universal da doutrina da imunidade de Maria do pecado original. É disputado entre os alunos da carta de Bernardo se o santo intentava simplesmente se opor à introdução da festa como inoportuna e não aprovada por Roma ou se ele intentava se opor a própria doutrina da Imaculada Conceição. Mais provavelmente, sua objeção foi contra a doutrina como então compreendida. (Op. Cit)

A ideia da imaculada conceição começa a ser aceita na igreja romana por causa da piedade popular. Havia uma festa que celebrava a imaculada conceição, mas nem a festa e muito menos a doutrina a que implicava era aceita por todos. Carol escreve sobre Anselmo:

Esta amplo período [séc. XI a XVI] inclui o tempo de controvérsia no Ocidente a respeito da veracidade da Imaculada Conceição de Maria e seu efetivo término com a aceitação generalizada da posição scotista. A influência de Santo Anselmo (1033-1109) sobre seus contemporâneos e sobre escritores posteriores à sua época seria difícil exagerar e a inferência é forte de que Anselmo não se inclinou para aceitação da Imaculada Conceição de Maria, pela simples razão de que ele não podia ver como a concepção de Maria na graça poderia ser devidamente conciliada com a universalidade da redenção operada por Cristo. (Op. Cit)

Carol prossegue tratando de outros teólogos:

Apesar de os grandes Doutores franciscanos antes de Scoto, St. Boaventura e St. Antônio não admitirem pelo menos claramente a doutrina da liberdade de Maria do pecado original, a escola franciscana após Scoto propôs a doutrina mais enfaticamente do que ele. Até a primeira metade do século XVI, os dominicanos continuaram se opondo à doutrina. (Op. Cit)

Carol prossegue:

No decorrer dos séculos seguintes, a controvérsia continuou entre as várias escolas de pensamento, principalmente entre os franciscanos e os dominicanos (...) Depois de Trento, a oposição à Imaculada Conceição tornou-se muito moderada, e mesmo aqueles que anteriormente tinha sido contra ela ou mudaram seu ponto de vista ou então interromperam quaisquer ataques graves contra a ortodoxia completa da doutrina. (Op. Cit)

Os estudiosos católicos geralmente citam o séc. XVI como o período em que o consenso emergiu. Estamos falando de 1500 anos após a morte do último apóstolo – que seria o período em que tal doutrina foi revelada por Deus. A doutrina da imaculada conceição não é conciliável com a ideia de que a igreja romana preservou intacta a revelação dada aos apóstolos. Os católicos costumam afirmar que isso não é um problema, pois a doutrina só foi definida no séc. XIX. Somente depois dessa definição é que negar a doutrina seria uma grave heresia. Isso é simplesmente inaceitável. Seria como dizer que não havia problema em negar a divindade de Cristo antes do Concílio de Niceia. A doutrina apostólica só seria de assentimento obrigatório após afirmações dogmáticas da igreja. Os cristãos poderiam então passar séculos e séculos negando doutrinas fundamentais claramente ensinadas pelos apóstolos como artigos de fé. A igreja não é a criadora da revelação, mas sua mantenedora. Dessa forma, a evidência histórica nos constrange a negar as reivindicações de Roma.

Tomás de Aquino morreu acreditando na Imaculada Conceição?


Um dos maiores constrangimentos para o dogma da imaculada conceição é sua negação pelos maiores doutores da igreja romana. O principal deles e considerado por muitos o maior teólogo católico romano é Tomás de Aquino. Mesmo os apologistas católicos reconhecem que em algum momento de sua vida ele negou a imaculada conceição:

Como se verificou anteriormente, a Beata Virgem Maria tornou-se Mãe de Deus concebendo do Espírito Santo. Para corresponder à dignidade de um Filho tão excelso, convinha que ela também fosse purificada de modo extremo. Por isso, deve-se crer que ela foi imune de toda nódoa de pecado atual, não somente de pecado mortal, bem como de venial, graça jamais concedida a nenhum outro santo abaixo de Cristo (...) Ela não foi imune apenas de pecado atual, como também, por privilégio especial, foi purificada do pecado original. Convinha, contudo relembrar que o op é pandula, ser ela concebida com pecado original, porque foi concebida de união de dois sexos. (CTh. c. 224)

O renomado mariólogo Juniper Carol escreve:

São Tomás de Aquino (1225-1274) tratou a questão da Imaculada Conceição apenas incidentalmente, como cognato à sua consideração da impecabilidade de Cristo. Ele seguiu o ensino de St. Bernardo, e assim possivelmente se pode considerar que sua relutância em admitir a imunidade de Maria do pecado desde o primeiro momento da sua concepção foi devido ao fracasso dos escolásticos em desenvolver uma noção precisa do momento da concepção e animação. Alguns expoentes de St. Tomás têm se esforçado para estabelecer que o Doutor Angélico virtualmente ensinou a Imaculada Conceição, e certamente eles têm sustentando que a "concepção" tinha sido tratada de forma completamente por ele. Mas a maioria dos estudantes de St. Tomás estão bastante preparados para admitir que o Doutor Angélico simplesmente negou a liberdade de Maria do pecado original. (Fonte)

A citação é da principal obra de Aquino – a Suma Teológica. Os apologistas católicos defendem que Tomás mudou de ideia. Mais para o fim de sua vida, ele teria abraçado a doutrina romanista:

Ela é, pois, puríssima também quanto à culpa, pois nunca incorreu em nenhum pecado, nem original, nem mortal ou venial. (Exposito super salutatione angélica)

O problema é que “nem o pecado original” é uma interpolação posterior. Richard Gibbings já havia apontado há muito tempo que essa é mais uma das falsificações romanistas – veja aqui. Uma edição crítica moderna (produzida por críticos católicos romano) dessa obra não inclui o trecho citado – veja aqui:

Ipsa enim purissima fuit et quantum ad culpam, quia ipsa virgo nec mortale nec veniale peccatum incurrit.

Comparem com o texto fornecido pelos católicos:

Ipsa enim purissima fuit et quantum ad culpam, quia ipsa virgo nec originale, nec mortale nec veniale peccatum incurrit

A edição crítica não traz “nec originale”. E na mesma obra:

Sed Christus excellit beatam virginem in hoc quod sine originali conceptus et natus est. Beata autem virgo in originali est concept (…)

Cristo excedeu a Virgem Santíssima no fato de que ele foi concebido e nascido sem pecado original. Mas a Santíssima Virgem foi concebida em pecado original, mas não nasceu nele.

Portanto, Tomás de Aquino não mudou de ideia. A obra invocada para provar isso afirma o oposto. 

domingo, 29 de maio de 2016

Os Pais da Igreja e a Imaculada Conceição de Maria



Em nosso blog já demonstramos que Agostinho não pode ser contado entre os advogados da imaculada conceição aqui e aqui. O site heresias católicas tem dois ótimos artigos sobre o assunto aqui e aqui. Outro artigo que aborda a evidência histórica do período medieval pode ser visto aqui. Esses artigos trazem o testemunho de vários pais da igreja negando a imaculada conceição explicitamente ou implicitamente. Eles demonstram claramente, amparados num bom número de estudiosos inclusive católicos, que Maria cometeu pecados – posição defendida por Irineu e Tertuliano (séc. II), Orígenes (séc. III), João Crisóstomo e Cirilo de Alexandria (Séc. IV-V).

Outra posição pode ser encontrada em alguns pais do séc. IV – Agostinho, Ambrósio, Cirilo de Jerusalém e Gregório Nazianzeno defenderam que Maria foi santificada antes de conceber Cristo. Os católicos costumam apresenta-los como testemunha da doutrina romana, mas esse não é o caso. Eles acreditavam que Maria foi livre de pecados pessoais em algum ponto da vida, mas ela estava no domínio do pecado original. O testemunho histórico contra a doutrina romana é convincente. Se pudermos falar de um consenso, pode-se dizer que está contra a igreja romana. No entanto, os apologistas católicos costumam citar outros pais da igreja desse mesmo período (séc. II – IV) como defensores dessa doutrina. É de interesse especial o artigo hospedado aqui, pois traz o trabalho de um reconhecido mariólogo da igreja romana. Nossas citações de Juniper Carol podem ser encontradas nesse artigo. Vamos analisar os supostos testemunhos a favor da imaculada conceição e adicionar outros (ainda não abordados nos artigos recomendados) negando esse dogma.

Justino Mártir (100-165)

Justino escreveu no meio do segundo século. Em seu debate com Trifo, ele afirma que todos os homens pecaram e desafia seu oponente a citar alguma pessoa que não precisaria ser salva por Cristo devido ao cometimento de pecados pessoais. É um desafio que católicos romanos não poderiam fazer:

Agora, nós sabemos que ele não vai para o rio, porque Ele precisava do batismo ou da descida do Espírito como uma pomba. Assim como Ele se submeteu a nascer e ser crucificado, não porque Ele precisava de tais coisas, mas por causa da raça humana, que desde Adão caiu sob o poder da morte e da astúcia da serpente, e cada um dos quais tem cometido transgressões pessoais. (Diálogo com Trifo 88)

Justino Mártir - fazendo eco ao ensino bíblico da pecaminosidade universal - afirma que todos desde Adão, com exceção de Cristo, cometeram transgressões pessoais. 

Toda a raça humana encontra-se sob uma maldição. Pois está escrito na lei de Moisés, "Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas que estão escritas no livro da lei" [Deuteronômio 27:26]. Ninguém tem feito tudo com perfeição, nem você vai se atrever a negar isso. Alguns mais e outros menos têm observado as ordenanças prescritas. Se aqueles que estão sob esta lei parecem estar sob uma maldição por não ter observado todos os requisitos, quanto mais estarão todas as nações que praticam a idolatria, seduzem jovens e cometem outros crimes? Se o Pai de todos desejou que seu Cristo tomasse sobre si a maldição de toda família humana, sabendo que depois de ter sido crucificado e morto Ele ressuscitou, por que você discute sobre Ele, que se submeteu a sofrer essas coisas de acordo com a vontade do Pai, como se Ele estivesse amaldiçoado, e nem sequer se lamenta por vocês mesmo. (Ibid 95)

Ele segue o mesmo entendimento que os protestantes – toda a humanidade está debaixo da lei do pecado, sem nenhuma exceção feita a Maria.

Clemente de Alexandria (150-215)

Agora, meus filhos, o nosso professor é como Seu Pai Deus, cujo filho é sem pecado, irrepreensível, e com uma alma desprovida de paixão. Deus em forma de homem, imaculado, o ministro da vontade do Pai, a Palavra que é Deus, que está no Pai, que está à direita do Pai, e com a forma de Deus é Deus. Ele é para nós impecável. A ele devemos tentar com todas as nossas forças equiparar as nossas almas. Ele está totalmente livre de paixões humanas, por isso ele também é o único juiz, porque somente ele é sem pecado. No entanto, vamos tentar o quanto pudermos pecar o menos possível. Nada é tão urgente do que a libertação das paixões e distúrbios, e então o controle da nossa capacidade de cair em pecados que se tornaram habituais. O melhor seria não pecar de maneira alguma, o que afirmamos ser uma prerrogativa de Deus somente (...) mas Ele regozija-se com o arrependimento do pecador - ama o arrependimento que sucede aos pecados. Esta Palavra [Jesus] do qual falamos somente é sem pecados, pois o pecado é natural e comum a todos. (O pedagogo 1:2 e 3:12)

Clemente opõe toda a humanidade que está em pecado ao único que é sem pecado – Jesus Cristo. Seria inexplicável o pai alexandrino fazer tais afirmações se ele tivesse recebido alguma tradição apostólica que afirmava a imaculada conceição de Maria.

Hipólito de Roma (170-235)

Hipólito é a testemunha mais antiga apresentada pelos defensores da doutrina romanista:

A arca, que foi feita de madeira incorruptível [Ex 15:10] era o Salvador. A arca simbolizava o tabernáculo de seu corpo, que era imune à decadência e não gerou nenhuma corrupção pecaminosa (...) O Senhor não tinha pecado, porque em sua humanidade Ele foi formado a partir da madeira incorruptível, ou seja, da Virgem e do Espírito Santo, forrada dentro e fora como com o ouro mais puro da Palavra de Deus. (Hipólito, no Salmo 22, citado por Teodoreto, Dialogo 1; PG 10:610, 864-5)

A citação claramente aponta que a arca da aliança era um tipo de Cristo e não de Maria. Existem outros sérios problemas:

(1) Essa citação pertence aos fragmentos exegéticos de Hipólito sobre os quais há dúvidas a respeito da autenticidade. Até mesmo o mariólogo Juniper Carol diz:

(...) há um testemunho que atribui mais intimamente a santidade de Maria. Se podemos confiar em um fragmento sobre o Salmo 22 atribuído a Hipólito (...) (Fonte)

(2) Ele não diz que Maria era formada de “madeira incorruptível”, mas que Jesus foi assim formado a partir da “virgem e do Espírito Santo”. O qualificador “madeira incorruptível” se refere à concepção de Cristo. Justamente pelo seu nascimento ser uma novidade, é que Cristo não foi contaminado pelo pecado original, pois sua concepção envolveu a participação do Espírito Santo. Já Maria não foi gerada pelo Espírito Santo. Ela nasceu de uma concepção carnal natural, o que implica num nascimento não imaculado;

(3) A tradução em questão não me parece a mais adequada. Traduzindo a partir do texto do site católico New Advent, ficaria assim:

E, além disso, a arca de madeira incorruptível era o próprio Salvador. Pois essa significava o tabernáculo imperecível e incorruptível próprio (do Senhor), que foi gerado sem a corrupção do pecado. O pecador na verdade faz esta confissão: Minhas feridas fediam e eram corruptas por causa da minha loucura. Mas o Senhor foi sem pecado, feito de madeira incorruptível no que se refere à sua humanidade; isto é, da Virgem e do Espírito Santo interiormente, e exteriormente da palavra de Deus, como uma arca coberta de ouro puro.

Essa citação deixa mais claro que o qualificador “madeira incorruptível” não pode ser atribuído à Maria. Cristo herdou sua humanidade (madeira imperecível) de Maria e do Espírito Santo numa concepção imaculada. Ir além e afirmar a concepção imaculada de Maria é ler algo que não está escrito. Mesmo Juniper Carol escreve:

A evidência existente, portanto, se pequena, indica suficientemente que, para alguns dos escritores ante-Nicenos no Ocidente, a ideia de santidade e pureza é atribuída à pessoa de Maria. Isso não nos justifica em concluir com certeza qual a natureza desta santidade, retratando-os como portadores de uma tradição histórica, ou em atribuir a eles uma crença formal em uma Imaculada Conceição.

Cipriano de Cartago (?-258)

Cipriano geralmente é ignorado nesse debate. Todavia, ele escreveu alguns livros ao seu discípulo Quirino com o intuito de passar a ele trechos da Escritura que continham os ensinos da igreja. Logo no início da obra, ele escreve:

Cipriano a seu filho Quirino, saudações. De sua fé e devoção que você manifesta no Senhor Deus, amado filho, você me pede para juntar das Escrituras Sagradas para sua instrução algumas passagens importantes sobre o ensino religioso de nossa escola; buscando por um curso sucinto de leitura sagrada, para que sua mente, entregue a Deus, não possa ser esgotada com longos ou numerosos volumes de livros, mas, instruída com um resumo dos preceitos celestiais, possa ter um saudável e largo compêndio para alimentar sua memória. E por que eu te devo uma abundante e amorosa obediência, eu fiz o que você desejava. (Tratado 12, Livro III)

Cipriano então escreve:

Em Jó: Pois quem é puro da sujeira? Ninguém; mesmo que sua vida seja de um dia na Terra. Também no Salmo cinquenta: Eis que fui concebido em iniquidades, e em pecado me concebeu minha mãe. Também na Epístola de João: Se dissermos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. (Ibid., cap. 54)

Ele junta então alguns trechos da Escritura para ensinar a pecaminosidade universal, sem obviamente estabelecer nenhuma exceção à Maria. São basicamente os textos usados pelos protestantes para ensinar a mesma coisa. Em outra obra afirma o mesmo:

E, novamente, em sua epístola, João diz: "Se dissermos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós." Mas se ninguém pode estar sem pecado, qualquer um que diga que não tem culpa é orgulhoso ou tolo. Quão indispensável é a misericórdia divina, que sabendo que ainda são encontradas algumas feridas em pessoas que foram curadas mesmo após a sua cura, deu remédios saudáveis e cura as feridas novamente! (Tratado 8: Das obras e esmolas, Seção 3)

Hilário de Poitiers (300-368)

Hilário é outro pai da igreja não citado pelos artigos protestantes que também oferece importante testemunho. O estudioso católico Michael O'Carroll escreve:

No incidente de Maria e os irmãos esperando por Jesus [Mateus 12: 46-50], [Hilário de Poitiers] propõe uma singular exegese: "Mas desde que ele veio para os seus e eles não o receberam, em sua mãe e irmãos a Sinagoga e os israelitas são prenunciados, evitando entrar e se achegar a ele." (Theotokos [Wilmington, Delaware: Michael Glazier, Inc., 1988], p 171)

Hilário afirma que Maria prenunciava a atitude pecadora dos judeus de não se aproximarem de Cristo. Isso implica na pecabilidade de Maria. O erudito J.N.D Kelly também escreve:

Hilário também entendia que Maria deveria enfrentar o juízo de Deus por causa dos seus pecados [Tratado em Salmos 118; PL 9:523]. (Patrística, Origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da fé cristã [Editora Vida Nova, 1994], p. 379)

Isso também foi afirmado por Carol:

Na Gália, por exemplo, Santo Hilário de Poitiers pode de alguma forma conciliar uma profunda reverência pela virgindade de Maria com uma passagem tortuosa em que ela parece destinada a submeter-se ao exame do juízo de Deus por falhas que são corriqueiras (Tratado em Sl. 118; PL 9:523). Ele insiste, também, que Nosso Senhor é o único sem pecado, e isso em virtude do Seu nascimento excepcional (Da Trindade, livro 10, cap. 25; PL 10:364-6).

Essa última citação pode ser vista abaixo:

Porque Cristo tinha realmente um corpo, mas único, como convinha a sua origem. Ele não veio à existência através de incidentes paixões por uma concepção humana: Ele veio na forma de nosso corpo por um ato de seu próprio poder. Ele levou a nossa coletiva humanidade sob a forma de um servo, mas estava livre dos pecados e imperfeições do corpo humano: que possamos estar Nele, porque Ele nasceu da Virgem, e ainda assim nossas falhas não podem estar nele, porque Ele é a fonte de sua própria humanidade, nascido como homem, mas não nascido sob os defeitos de concepção humana (...) Embora Ele tenha sido feito em forma de homem, Ele não sabia o que era pecado, pois sua concepção foi à semelhança de nossa natureza, [mas] não na posse de nossas falhas. (Sobre a trindade, Livro X, capítulo 25)

Cristo seria o único sem pecado, pois a sua concepção é singular. Como Maria nasceu a partir de uma concepção normal, não poderia foi preservada do pecado original. Em outros lugares, Hilário escreve que o ventre de Maria foi santificado pelo Espírito no momento da concepção de Jesus (não de Maria) [Da Trindade, Livro II, capítulos 24-26]. Era o corpo de Jesus, como se vê, não de Maria, que desfrutou da primeira e única concepção imaculada e foi o primeiro "corpo sagrado" na história. Hilário claramente acreditava que ele tinha essa informação sobre "a realidade do nascimento Divino" a partir da autoridade "desses textos" e "da linguagem dos Apóstolos" [Da Trindade, Livro I, capítulo 28].

Atanásio de Alexandria (296-373)

Os apologistas católicos costumam trazer a seguinte citação:

Porque Ele não simplesmente desejou se encarnar, ou desejou apenas se aparecer. Pois se Ele quisesse apenas aparecer, Ele seria capaz de mostrar Sua aparência divina por alguns outros e maiores meios também. Mas Ele teve um corpo de nossa espécie, e não apenas isso, mas de uma impecável e imaculada virgem, que não conheceu homem, um corpo limpo e em verdade puro de relação com homens. (Sobre a Encarnação do Verbo 8:3)

Essa citação não afirma uma concepção imaculada. No máximo, poderia dar suporte a impecabilidade de Maria. Porém, nem isso pode ser extraído. O contexto deixa claro em que sentido Maria era pura e imaculada – “que não conheceu homem, um corpo limpo e em verdade puro de relação com homens”. A pureza em questão se referia ao estado virginal de Maria no momento da encarnação.

Efrém o Sírio (306-373)

A seguinte citação de Efrém geralmente é trazida:

Você somente e sua mãe são mais belos do que qualquer outro, pois não há nenhum defeito em você, nenhuma mancha em sua mãe. Quem dos meus filhos pode se comparar em beleza a estes? (Nisibene Hymns 27:8)

A questão é se ao dizer que Maria não tem nenhuma mancha, ele estava se referindo: (1) não ter cometido nenhum pecado pessoal; (2) Ser encontrada sem pecado num dado momento sem implicar em impecabilidade; ou (3) ter sido preservada de todos os pecados inclusive o original. Muitos estudiosos defendem a visão 1. Entre eles poderíamos citar Juniper Carol cuja opinião pode ser vista no artigo já citado. Nós defendemos a visão 2. Efrém não traz nenhuma qualificação dos pecados referidos. Não há no contexto nenhuma referência ao pecado original, por isso, afirmar a visão 3 é ir além do que está escrito. Efrém escreve em outra obra como se Maria estivesse dizendo:

O Filho do Altíssimo veio habitar em mim e me tornei Sua Mãe, e como por um segundo nascimento eu fui levada a ele, então ele me levou ao segundo nascimento, porque Ele colocou os trajes de sua mãe. Ela vestiu seu corpo com a sua glória. (Sobre a Natividade de Cristo na carne 11)

Se Maria participou de um segundo nascimento, a implicação é que ele teve que ser regenerada e, portanto, tinha pecados. O estudioso católico romano Michael O'Carroll traz outras citações relevantes de Efrém:

É dito que Maria foi batizada: “Eu sou uma esposa. Tu és puro. Eu sou serva e filha pelo sangue e pela água. Você me comprou e batizou. O filho divino veio e habitou em mim e eu me tornei sua mãe” [3]. Novamente, ele fala do olho purificado pela luz do sol e então diz: "Em Maria, como no olho, a Luz veio habitar e limpou seu espírito, refinou seus pensamentos, santificou sua mente e purificou sua virgindade." [4] Esses textos não contradizem a santidade inicial de Maria, nem outros encontrados na versão armena do Diatessaron no qual ele parece implicar falta ou dúvida sobre a ressurreição. Aqui, Efrém parece confundir Maria com Maria Madalena.  (Theotokos [Wilmington, Delaware: Michael Glazier, Inc., 1988], pp. 132-133)

Quem desejar verificar online essa citação pode acessar aqui. As notas de rodapé com as referências dos textos são:

[3] Nativity Hymns, 16, 10-11
[4] Church Hymns 36,2

O’Carrol defende a visão 1 (impecabilidade de Maria). Porém, os textos que traz implicam no contrário. Efrém se refere à Maria como sendo purificada, batizada espiritualmente, refinada e santificada. Todas essas expressões obviamente eliminam qualquer possibilidade de concepção virginal, mas fazem mais do que isso – afirmam a pecabilidade de Maria. Ele ainda cita um texto onde Efrém afirma que Maria duvidou da ressurreição. Obviamente isso seria pecado. A justificativa é que o sírio confundiu as Marias. Todavia, isso confirma que Efrém atribuiu pecados à mãe de Jesus. Se ele a identificasse como sem nenhum pecado, não cometeria tal engano. Por tudo isso, a visão 2 é a mais credível. Quando Efrém se refere à Maria como sem nenhuma mancha, não estava se referindo a um estado existente desde a concepção. Ele se referia a um determinado ponto da vida de Maria após ter sido santificada sem excluir pecados anteriormente cometidos.

Epifânio de Salamina (310-403)

Em sua obra Panarion Epifânio fala de Maria em termos bastante elogioso, mas ele não ensinou a imaculada conceição. Carol afirma:

Não apenas é Nossa Senhora devidamente preparada para receber a Palavra em seu ventre; ela é “agraciada em todos os sentidos” (Panarion haer 78, 24). Será que isso implica que ela foi concebida livre do pecado? Como Epifânio não conseguiu deduzir sua doutrina da Segunda Eva, a semelhança de Maria a Eva na impecabilidade original, portanto aqui ele não faz nenhuma inferência a partir da plenitude de graça de Maria. No entanto, o seu “agraciada em todos os sentidos” não é para ser tomada de ânimo leve; pois com referência a Nossa Senhora, Epifânio está ciente de que ele deve manter um olhar atento sobre a sua linguagem e sua teologia. É por isso que ele reprova as Coliridianos que fazem de Maria uma deusa, oferecendo sacrifício para ela, e rejeita a tese do Proto-evangelho de Tiago, que Nossa Senhora foi concebida virginalmente (Panarion haer 78, n 23,.. 79, n 5). E ainda assim ele pode falar dela como “agraciada em todos os sentidos.” A frase não precisa envolver a concepção sem pecado, mas sugere alta santidade (...)

O máximo que esses autores católicos conseguem extrair de Epifânio é uma "alta santidade". Ele não afirma que ela teve uma concepção imaculada ou levou uma vida sem pecados segundo a visão de Epifânio.

Ambrósio de Milão (339-397)

Ambrósio é um dos mais citados como advogado da imaculada conceição. Ele de fato acreditava que Maria não cometeu pecados pessoais, mas não a excluía do domínio do pecado original:

Ele era o homem na carne de acordo com a sua natureza humana, para que pudesse ser reconhecido, mas em poder estava acima do homem, para que não pudesse ser reconhecido, então ele tem a nossa carne, mas não tem as falhas desta carne. Ele não foi gerado, como é cada homem, através de relações entre macho e fêmea, mas nasceu do Espírito Santo e da Virgem. Ele recebeu um corpo imaculado, no qual não somente não há pecados, mas no qual nem a geração nem a concepção foi manchada por qualquer dose de mácula. Nós homens somos todos nascidos sob o pecado e nossa própria origem está no mal como se lê nas palavras de Davi: "Pois eis que fui concebido em iniquidade, e em pecado me minha mãe me gerou." (Do arrependimento 1:3:12-13)

Ambrósio acreditava que Jesus teve um nascimento imaculado porque ele não foi gerado como o resto dos homens – através de relações sexuais. Como Maria foi gerada como o resto dos homens, estaria no domínio do pecado original. Isso fica especialmente claro numa citação que Agostinho fez de Ambrósio:

Pois dentre os nascidos de mulher, Jesus é o único que é santo em todas as coisas. Ele foi o único que não experimentou os contágios de corrupção terrena pela novidade de seu nascimento imaculado, em função de Sua majestade celestial. (Contra Juliano, Livro 1:10)

Não poderia ficar mais claro. A concepção de Jesus é única, por isso somente ele é imaculado. Maria não era uma exceção a essa regra. Carol reconhece:

Por outro lado, Ambrósio não parece ciente das implicações de sua frase. Em qualquer caso, o germe do futuro desenvolvimento está, indiscutivelmente, lá, especialmente uma vez que, a sua maneira de pensar, se você aprecia o que Maria é, você deve reconhecer com o que é apropriado em tal mãe (Epist 63, n 110.; PL 16:1270-1).

Os autores católicos defendem que a imaculada conceição é uma implicação das palavras de Ambrósio. O problema é que o próprio não parece ter percebido essa implicação. Esse é um argumento muito comum entre aqueles que adotam a teoria do desenvolvimento da doutrina. O argumento tem alguns problemas bem graves:

(1) Não há como afirmar que um autor antigo aceitaria a implicação que teólogos de séculos depois atribuiriam a suas ideias. Além do mais, uma ideia pode ter várias implicações. Não há como saber quais delas o autor aceitaria ou não;

(2) Ao perceber uma determinada implicação de uma ideia, o autor poderia mudar de posição. Isso acontece com frequência com os seres humanos em qualquer campo de conhecimento. Você pode defender uma determinada ideia, mas quando percebe que traz implicações inaceitáveis, você abandona a ideia original.

Gregório de Nissa (335-394)

Somente o Senhor é livre da possessão do adversário. Ele conformou-se a nós e nossas paixões, ainda assim não tinha pecado [Hb 4.15]. "O príncipe deste mundo está chegando e ele não tem nenhum poder sobre mim" [Jo 14.30]. (Comentário sobre Eclesiastes, Homilia 7)

A implicação é que somente Cristo foi sem pecado.

Jerônimo (347-420)

Jerônimo é especialmente importante. Todo o argumento bíblico a favor da imaculada conceição é levantado a partir da saudação angélica (Lc. 1:28). Na vulgata, Jerônimo traduziu “Kecharitoméne” como “gratia plena”, ou seja, cheia de graça. Muitos tradutores têm suficientemente demonstrado que a tradução mais adequada é agraciada. Essa se amolda melhor ao contexto de Lucas 1. Independente da tradução mais adequada, não há absolutamente nada nessa passagem que implique na imaculada conceição. Para mais detalhes veja aqui.

O fato é que o próprio Jerônimo não seguiu o entendimento romanista, aliás, nenhum pai da igreja interpretou Lucas 1:28 como indicando a imaculada conceição. Em sua obra contra os pelagianos ele pressupõe a universalidade do pecado, cuja única exceção é Cristo. Os pelagianos afirmavam que era possível alguém viver sem pecar e Jerônimo os desafia a citar ao menos um exemplo:

Habilidade médica, artesanato, e assim por diante, são encontrados em muitas pessoas, mas sempre estar sem pecado é uma característica do poder divino somente. Portanto, ou me dê um exemplo daqueles que estiveram sempre sem pecados ou se você não consegue encontrar alguém, confesse a sua incapacidade, deixe de lado o estilo jocoso e não zombe dos ouvidos dos tolos como se esses fossem os [ouvidos] de vocês. Pois quem irá admitir que um homem pode fazer o que nenhum homem jamais foi capaz de fazer? (Contra os pelagianos 1:19)

Os pelagianos poderiam facilmente responder o argumento de Jerônimo se o próprio sustentasse a imaculada conceição. Se a igreja de fato tivesse tal ideia como artigo de fé, o desafio de Jerônimo seria um verdadeiro “tiro no pé”.

Porque, se um homem pode ser sem pecado, sendo claro que os Apóstolos não eram sem pecado, um homem poderia ser maior do que os Apóstolos. Para não falar dos patriarcas e profetas cuja justiça sob a lei não era perfeita como diz o Apóstolo: "Porque todos pecaram e foram destituídos da glória de Deus; sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus: a quem Deus propôs para ser a propiciação.” [Romanos 3:23] (Ibid., 1:14)

O argumento de Jerônimo é idêntico ao argumento protestante contra a doutrina romana. A mesma passagem usada por ele para afirmar a pecaminosidade universal é usada pelos protestantes.

É a minha própria opinião que nenhuma criatura pode ser perfeita no que concerne à verdade e justiça perfeita. Mas que um é diferente do outro e a justiça de um homem não é a mesma que outro, ninguém duvida, nem ainda que um pode ser maior ou menor que o outro, e ainda que, relativamente à sua própria condição e capacidade, homens que não são justos quando comparado com os outros podem ser chamados de justos. (Ibid., 1:26)

Mais uma afirmação da pecaminosidade universal. Ele ainda argumenta que os homens estão em diferentes níveis de justiça. O fato de alguém ser chamado de justo não implica que não tenha pecados ou que outros não sejam mais justos. Jerônimo estava respondendo ao argumento pelagiano de que muitos foram chamados de justos nas Escrituras, logo eles teriam levado vidas sem pecado. Prevejo que muitos católicos argumentariam que em momento algum ele afirma que Maria pecou, apesar de essa ser a implicação lógica. Ocorre que nessa mesma obra, Jerônimo citou Maria. A questão é então ao contrário – se ele afirma a pecaminosidade universal e ao se referir à Maria não atribui a ela o status de exceção – Maria estava no domínio do pecado original:

Elizabete e Zacarias, a quem você apresenta e com quem você cobre-se como com um escudo impenetrável, pode ensinar-nos quão longe eles estavam da santidade de Maria Santíssima, Mãe do Senhor, que, consciente de que Deus estava habitando nela, proclama sem reserva "Eis que a partir de agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada. Pois Ele me fez grandes coisas; e santo é o seu nome. E Sua misericórdia vai de geração em geração aos que o temem". Onde, observe, ela diz que é abençoada não por seu próprio mérito e virtude, mas pela misericórdia de Deus que habita nela. E o próprio João, o maior entre os filhos do homem, é melhor do que seus pais (...) E, novamente, ele em comparação a alguém que é inferior será um pecador em relação a alguma outra virtude, relativamente a si ou para outra pessoa; e assim acontece que quem é pensado para ser o primeiro, é inferior àquele que é seu superior em alguma outra coisa particular (...) Não nos é dito que um homem pode ser sem pecado, que é o seu ponto de vista, mas que Deus, se ele escolher, pode manter um homem livre do pecado, e a partir da sua misericórdia guardá-lo para que ele possa ser sem defeito. E eu digo que todas as coisas são possíveis com Deus; mas que tudo o que um homem deseja não é possível a ele, especialmente, um atributo que não pertence a nenhuma coisa criada (...) (Ibid., 1:23-24)

Jerônimo claramente coloca Maria no grupo de pessoas que já cometeram pecados, apesar de tê-la como um exemplo de santidade. Peceba que ele a coloca no mesmo grupo que João Batista, a quem ele não considerava perfeito. Se existe um contexto onde Jerônimo necessariamente afirmaria a imaculada conceição seria aqui. Ele necessariamente deixaria claro que o falado a respeito de todo resto da humanidade não se aplicaria à Maria. Não só não diz isso, como implica no contrário. Ele insiste que uma pessoa pode ser considerada justa a vista de outra, mas sem implicar que ela seja perfeita. O ponto é que o pelagiano usou Elizabete e Zacarias como exemplos de perfeição. Jerônimo cita então Maria e João que seriam ainda mais santos num contexto em que afirma diferentes “níveis” de santidade e justiça. A ideia era mostrar que havia pessoas mais santas que aquelas apontadas pelo pelagiano, sem, no entanto, afirmar a perfeição delas.

E embora ele professe imitar, ou melhor, completar o trabalho do abençoado mártir Cipriano no tratado que escreveu a Quirino, não percebe que ele disse exatamente o oposto no trabalho em discussão. Cipriano, no quinquagésimo quarto título do terceiro livro, estabelece que ninguém está livre da mancha e sem pecado, e ele imediatamente dá provas. (Ibid., 1:32)

Jerônimo afirma o testemunho de Cipriano conforme trouxemos – ele implicitamente negou a imaculada conceição. O proeminente historiador protestante Philip Schaff escreveu:

Jerônimo ensinou a pecaminosidade universal, sem qualquer exceção. (History of the Christian Church, vol. 3, [Hendrickson, 2011], p. 418 n. 2)

Teodoreto de Cirro (393-457)

Se Ele se fez carne não por transformação, mas tomando a carne, e tanto a qualidade anterior como a posterior são adequadas a ele como Deus feito carne, como disse há pouco, então as naturezas não foram confundidas, mas permaneceram inalteradas. Enquanto mantivermos assim perceberemos também a harmonia dos Evangelistas, pois enquanto um proclama os atributos divinos do unigênito Senhor Cristo, o outro enuncia as suas qualidades humanas. Assim também Cristo o nosso próprio Senhor nos ensina num momento chamando a si próprio de Filho de Deus e em outro Filho do homem: num momento Ele honra sua mãe pois lhe deu seu nascimento; em outro Ele a repreende como seu Senhor. (Diálogos 2)

Teodoreto faz referência a João 2:4 em que Maria é repreendida por Jesus por sua pressa prematura. Outros pais da igreja identificaram aí também uma falha de Maria, logo não poderiam defender a impecabilidade, muito menos a imaculada conceição.

O testemunho de outros pais ocidentais

Carol e Ullathorne nos dão um relato de vários outros pais do Ocidente:

Em Roma, Mário Vitorino estende especificamente à Maria a imperfeição que ele atribui à própria ideia de mulher (Em epist Pauli ad Galatas, lib 2; PL 8:1176-7), enquanto Ambrosiastro entende a espada de tristeza de Simeão como a dúvida de Maria no morte do Senhor - uma dúvida removida somente pela Ressurreição (QUEST Veteris et Novi Test, cap 76, n 2.).

Na África, o bispo Santo Optato de Mileve (antes de 400 dC), vê a carne de Cristo sem pecado, por causa da sua concepção única, só Cristo é perfeitamente santo, o resto de nós é “metade perfeito”; cada homem, mesmo se de pais cristãos, nasce com um espírito imundo (Contra Parm Donat, lib 1, cap 8; lib 4, cap 7; lib 2, cap 20; lib 4, cap 6). Perto de Granada, na Espanha, Dom Gregório de Elvira (ou Gregory Baeticus, em homenagem à província de Baetica, Espanha) parece numerar Maria entre os antepassados que teria transmitido ao Redentor um corpo sujo e aberto para o pecado (Hom em Cant canticorum).

E, no entanto, o clima de pensamento e sentimento prometia as idéias de Ambrósio com entusiasmo, especialmente em seu próprio norte da Itália, onde a influência do ascetismo e da permanência pessoal de Atanásio tinha aberto o caminho. Assim, St. Zeno de Verona (ou Zenone da Verona) implica que Maria, como as virgens que ele estava abordando, era “santa de corpo e espírito”, e afirma que ela tinha “merecido” para levar o Salvador das almas (Tractatus, lib 1, tr 5,3; lib 2, tr 8,2; PL 11:303,414), embora ele parece ver em Maria falhas morais que teve de ser cortada antes da Encarnação, ou simultaneamente com ela (PL 11:352).

Testemunho de outros pais orientais

Fulgêncio de Ruspe – um autor do século V – escreve:

Pois a carne de Maria, que tinha sido concebida em iniquidades da maneira natural, era a carne do pecado, que gerou o Filho de Deus, à semelhança da carne do pecado (...) (D. E. Thomas, The Golden Treasury of Patristic Quotations [Oklahoma City: Hearthstone Publishing, 1996], pp. 180-181)

João Damasceno (considerado o último dos pais da igreja) escreveu no século VII:

Mas Deus o fez por natureza sem pecado e o dotou do livre arbítrio. Por pecado, eu não quero dizer que o pecado não podia encontrar-se nele (pois esse é o caso da deidade somente), mas que o pecado é o resultado da livre vontade que ele possui, em vez de uma parte integrante da sua natureza. (NPNF2: Vol. IX, An Exact Exposition of the Orthodox Faith, Book II, Chapter 12)

Conclusão

A evidência histórica contra o dogma da imaculada conceição é avassaladora. A posição majoritária entre os pais da igreja é que Maria cometeu pecados e somente Cristo é de fato imaculado. O estudioso católico Bernard A. McKenna escreve:

Não foi até os séculos XII e XIII que a questão foi colocada em causa nas escolas de teologia, e por volta de meados do século XVI, quase ninguém colocava a Imaculada Conceição em dúvida. (The Dogma of the Immaculate Conception [Washington, D.C., 1929] p. 89)

Somente no séc. XII a questão começou a ser definida e o consenso só veio no séc. XVI. Essa definitivamente não é a característica de uma doutrina que sempre foi a fé da igreja. 

Atualizações (14/06/2016)

Constituições Apostólicas (380)

Nenhum homem está livre do pecado, exceto Ele que se fez homem por nós, pois está escrito: "Nenhum homem é puro da imundícia; não, nem que seja por apenas um dia”. (2:3:18)

Apolinário (310-390)

Que seus irmãos ainda não acreditavam nele podemos aprender com João, ao passo que de Marcos também ouvimos a mesma coisa: pois a sua própria família tentou colocar as mãos sobre ele, como se pensassem que ele estivesse fora de si Em razão do seu estado de espírito, o Senhor muitas vezes não os mencionou como sua própria família. Em vez disso, Ele aponta aqueles que são obedientes [como sua família] (...) Mesmo que temporariamente ele teve uma desavença com Maria, como Simeão havia predito, quando ele tinha dito "uma espada traspassará sua própria alma". Ela superou estas coisas, como era apropriado, e o Senhor graciosamente fez menção a ela em sua paixão e a confiou ao discípulo amado. (cited in Manlio Simonetti, ed., Ancient Christian Commentary On Scripture: New Testament Ia: Matthew 1-13 [Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 2001], 261)

Ambrósio (séc. IV)

Assim, então, ninguém está sem pecado exceto Deus, pois ninguém é sem pecado, exceto Deus (...) ninguém está sem pecado, exceto Deus (...) Portanto Ele não cometeu nenhum pecado, e se Ele é sem pecado, não é uma criatura. Pois toda a criatura é exposta à capacidade do pecado, e o eterno Deus somente é livre do pecado e sem mácula. (Do Espírito Santo 3:18:133-4, 3:18:136)

Jerônimo (séc. IV)

Ao contrário, ele [Jesus] preferiu os apóstolos a seus parentes, que também nós, em termos de grau de afeição, podemos preferir o espírito ao invés da carne (...) Sua mãe e seus irmãos, isto é, a sinagoga e povo judeu, estão lá fora. Eles desejam entrar e se tornam indignos de suas palavras. (Thomas Scheck, trans., St. Jerome: Commentary On Matthew [Washington, D.C.: The Catholic University Of America Press, 2008], 2:12:49, 150-1)

Quase todos os argumentos em favor dos dogmas marianos e do status de Maria se baseiam no fato dela ser a mãe de Jesus segundo a carne. Jerônimo captou a ideia bíblica de que as relações espirituais eram superiores as carnais.

O que! Deus tem me ordenado ser o que Ele é e não colocar diferença entre mim e meu criador, ser maior do que o maior dos anjos, ter um poder o qual nem anjos possuem? Impecabilidade é uma característica de Cristo, "que não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca." Mas se eu sou isento do pecado assim como ele, como a impecabilidade continuará a ser sua marca distintiva? (Epístola 133:8)

O argumento de Jerônimo deixa implícito que impecabilidade é uma marca distintiva de Deus.

Atanásio (séc. IV)

Quem não irá admirar isso? Ou quem não concorda que tal coisa é verdadeiramente divina? Pois se as obras da palavra da divindade não tivessem tomado um corpo, o homem não tinha sido deificado, e novamente, não teriam sido as propriedades da carne atribuidas à Palavra. O homem não teria sido completamente entregue a partir delas, mas apesar de elas terem cessado por pouco tempo, como eu disse antes, o pecado ainda teria permanecido nele e a corrupção, como foi o caso com a humanidade antes dele. Por esta razão muitos, por exemplo, foram feitas santos e limpos de todo o pecado, ou melhor, Jeremias foi santificado mesmo desde o ventre, e João, enquanto ainda no útero, pulou de alegria ao ouvir a voz de Maria portadora de Deus. No entanto "a morte reinou desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão”; e assim o homem permaneceu mortal e corruptível como antes, susceptível às paixões características de sua natureza (...) Pois não mais de acordo com nossa antiga origem em Adão nós morremos, mas de agora em diante nossa origem e toda enfermidade da carne foi transferida para a Palavra, que ascendeu da terra, e a maldição do pecado foi removida, porque Ele esteve em nós e  se tornou uma maldição por nós. E com razão, pois como todos nós somos da terra e morremos em Adão, assim somos regenerados pela água e o Espírito. Em Cristo somos todos vivificados. (Quatro discursos contra os arianos 3:33)

Atanásio afirma a pecaminosidade universal num contexto em que um suposto nascimento imaculado de Maria seria certamente mencionado. Percebam que ele faz referência a indivíduos que foram santificados ainda no ventre (Jeremias e João Batista), mas não faz nenhuma concessão especial à Maria.

Teodoro de Mopsuéstia (séc. V)

Se João [Batista] está sendo julgado contra outras pessoas por ter nascido de uma mulher, ele será achado como o maior de todos eles. Somente ele ficou cheio do Espírito Santo dentro do útero de sua mãe. (cited in Manlio Simonetti, editor, Ancient Christian Commentary on Scripture: New Testament Ia: Matthew 1-13 [Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 2001], 222)

Crísipo de Jerusalém (sec. V)

Maria irá com todos surgir da queda, na qual seu relacionamento com Eva a envolveu. (cited in Michael O'Carroll, Theotokos [Wilmington, Delaware: Michael Glazier, Inc., 1988], 102)

O'Carroll, um estudioso católico romano, comenta:

Será que C. [Crísipo] acredita que Maria estava sujeita ao pecado original? A referência a sua relação com Eva na qual ela foi envolvida na queda parece implicar isso, assim como o fato de que C. teve o cuidado de salientar isenção de Jesus de todo pecado. (Ibid.)

Beda (séc. VIII)

Eis que a Palavra coeterna de Deus Pai, a luz da luz que nasceu antes dos séculos, irá receber no fim dos tempos carne e alma não carregada com qualquer pecado, e vai entrar no mundo a partir de um ventre virginal, como o noivo de seu trono. Portanto, o que irá nascer será chamado santo, Filho de Deus. Em distinção da nossa santidade, somente a Jesus é dito ter nascido santo. (cited in Steven McKinion, ed., Ancient Christian Commentary On Scripture: Old Testament X: Isaiah 1-39 [Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 2004], 140)